Aqui você vai encontrar os textos que norteiam o projeto. Eles indicam como o material foi pensado e sua lógica de apresentação.
Em Panorama do ensino musical você encontra um histórico do ensino de música no Brasil, aspectos políticos e legais, além de um levantamento junto às Secretarias de Ensino sobre a lei e seus desdobramentos em cada Estado.
Vozes e ouvidos para a música na escola
Sergio Molina
Um dos principais desafios para o homem neste início de século XXI é o de repensar os modelos de educação vigentes, de modo a preparar os estudantes para um panorama que se apresenta hoje muito distinto daquele que tínhamos há vinte anos. Como cotejar, de maneira viva e atualizada, as múltiplas vias que se abrem a partir dos avanços tecnológicos sem abrir mão de determinados fundamentos imprescindíveis para um desenvolvimento humano amplo?
Se no contexto da sociedade presente colocam-se – como temas urgentes – a consolidação de um desenvolvimento sustentável e um maior comprometimento solidário nas relações, a transformação desse cenário global passa necessariamente pelo fortalecimento da formação de cada indivíduo e, consequentemente e para tanto, pelo fortalecimento da educação como um todo. Nesse sentido, a educação musical, agora oficialmente reincorporada ao ensino básico em nosso País, mostra-se como uma das ferramentas preciosas para a real efetivação desses anseios.
Dependendo de como é vivenciada, a prática musical apresenta-se como laboratório privilegiado para o exercício de determinadas qualidades transversais a toda educação, como a cooperação, a paciência, a gentileza, a relativização da competição, a escuta de si e do outro. O desenvolvimento de tais qualidades é, paradoxalmente e ao mesmo tempo, responsabilidade pertinente a todas as disciplinas e a nenhuma delas exclusivamente. Mesmo sabendo que podem (e devem) ser trabalhadas em todos os campos, na música essas qualidades são quase sempre pré-requisitos, engrenagens, encaixes para um movimento conjunto. Além disso, a prática musical é também especialmente propícia para o fluir da criatividade, e pode trabalhar, sem grandes obstáculos, o exercício da liberdade com responsabilidade.
Ancorada em matrizes e tradições sólidas – nem sempre exteriormente visíveis em sua superfície – a música produzida e ouvida hoje se manifesta em múltiplos vivos vieses que se renovam continuamente. De ouvidos abertos a essa pluralidade, nosso “A Música na Escola” abre espaço para uma educação musical que espelhe e filtre esse fazer multifacetado, abrigando generosamente a variedade dos métodos e repertórios.
E não é justamente aí que reside, resiste e se insinua a riqueza da cultura do nosso País? Não é o Brasil o território porto seguro para os amálgamas, onde as peculiaridades das culturas, sejam elas de origem indígena, europeia ou africana, se entrecruzam e se espraiam, dando forma a uma vasta gama de sotaques, sabores e ritmos?
QUATRO BLOCOS – DEZ ABORDAGENS
Tendo essas referências como norte para a organização desta publicação, levantamos conteúdos e definimos tópicos, que geraram e resultaram nos temas das dez rodas de conversa que constituem o eixo de nossa proposta. Os dez temas relacionados ao ensino de música foram explorados, passo a passo, por um total de 26 colaboradores, todos com experiências no fazer e particularidades no observar. Na maioria dos casos, os colaboradores foram convidados a refletir, num primeiro momento, sobre um determinado tema produzindo um artigo conciso, pontuando e aprofundando seu recorte. Os 22 artigos inéditos aqui disponibilizados estabeleceram e focalizaram os pontos de partida para as posteriores discussões das rodas de conversa.
As dez abordagens de conteúdo foram reunidas em quatro grandes blocos:
- A) Justificativas de por que música na escola (rodas de conversa 1 e 2);
- B) Fundamentos da educação musical (rodas de conversa 3 e 4);
- C) A música do Brasil e do mundo (rodas de conversa 5 a 7);
- D) A educação com música (rodas de conversa 8 a 10).
De antemão, esclarecemos que não consideramos que os dez temas devam necessariamente ocupar espaços equivalentes em um projeto de educação musical. A opção pela pluralidade apenas sugere que a educação pela música, e para a música, se faz mais abrangente se contemplada por vários ângulos. E não há contradição entre a opção pela pluralidade e a necessidade de especialização em alguns ou vários dos tópicos ora levantados, uma vez que no cursar dos mais de 12 anos que compreendem o ensino básico na escola, haverá tempo e espaço suficientes para vivências distintas, que poderão ser conduzidas por professores especializados em diferentes linhas complementares.¹
Princípios e fins: blocos A e D
No Bloco A – “Justificativas de por que música na escola” – as rodas de conversa 1 e 2 (“Por que estudar música?” e “Música, neurociência e desenvolvimento humano”) propõem um olhar investigativo para a questão. Sem entrar necessariamente nas minúcias dos métodos e conteúdos, procuram os princípios estruturadores que permeariam as ações pedagógicas e seus reflexos nos estudantes. O Bloco D, na outra extremidade, também não se debruça obrigatoriamente sobre a discussão de métodos e conteúdos, mas se volta, por intermédio de tópicos específicos, a um pensar da música em um contexto educacional que se expande para além da própria música. É esse o espaço destinado para a discussão sobre quem será esse educador que estará no dia a dia à frente das classes (roda de conversa 8), para um olhar verdadeiramente amplo e eficaz para a questão da inclusão (roda de conversa 9) e para as possibilidades de inter e transdisciplinaridades que a música pode suscitar quando absorvida nas escolas (roda de conversa 10).
Os meios: blocos B e C
Já os blocos centrais, B e C, propõem um enfrentamento direto das questões “como” ensinar música e “o que” ensinar. O embate sadio entre os métodos de educação musical – sejam os “tradicionais” (roda de conversa 3) ou “criativos” (roda de conversa 4) – e as possibilidades de repertório (rodas de conversa 6 a 8) pressupõe um fazer que trabalhe em dupla via, tanto das partes para o todo quanto do todo para as partes. O equilíbrio com liberdade nesse trilho tênue poderá oferecer oportunidades, ora para desenvolver os processos de musicalização (sem sobrevalorizar as expectativas pelo resultado), ora para trabalhar criativamente a apreciação de obras referenciais, sejam do repertório popular urbano e de tradição mais regional, sejam clássicas ou de culturas mais afastadas. Atentar criteriosamente para a multiplicidade dessas sonoridades estimula o estabelecimento de conexões revisitadas com os métodos de educação musical, conexões essas que terão que se erguer e sustentar através de adaptações vivas e pontuais, para cada classe de alunos, localização geográfica e momento.
A leitura das rodas de conversa e artigos que se seguem mostrará que, mesmo quando convidados inicialmente para especular nos recortes, nossos colaboradores, amparados por suas experiências “de campo” na área musical, não se esquivaram de refletir sobre a complexidade das soluções de ordem prática, estabelecendo sugestivas tramas polifônicas entre os temas.
PRÁTICAS
O leitor – professor, coordenador de curso, estudante – que se deparar com as 39 práticas de educação musical sugeridas por este projeto, não encontrará aulas de violão, piano, flauta, violino, ou de qualquer outro instrumento. Assim como os debates e artigos, as práticas aqui reunidas refletem uma espécie de consenso tácito entre os educadores: o de que o objetivo da música na escola não é o de formar instrumentistas (função que poderia ficar mais a cargo das escolas de música). Assim como a aula de Matemática na escola, por exemplo, não objetiva a formação de matemáticos, a aula de música não teria como primeiro fim um treinamento de músicos.²
A maioria dos 24 educadores convidados organizou suas aulas em atividades coletivas por meio das quais a musicalidade latente de cada aluno é estimulada através de vivências e práticas interativas. Para exercer tais atividades, os alunos necessitam, em geral, apenas do próprio corpo (incluído aí, a voz), espaço livre – quase sempre com a sugestão de se afastar as carteiras na classe – a formação em semicírculo e um bom aparelho para ouvir música.
Cuidamos apenas de tentar contemplar diferentes faixas etárias (infantil, ensino fundamental e médio) e, na medida do possível, equilibrar atividades que explorassem diferentes parâmetros musicais (noções de tempo, altura, intensidade, timbre, forma, criação, improvisação, interpretação, grafismo e leitura musical).
As práticas disponibilizadas não devem ser tomadas como uma “proposta curricular”. São 39 descrições criteriosas de trabalhos de educadores musicais, muitos deles com larga experiência de atuação no dia a dia da sala de aula, que aqui reunidos podem proporcionar o entendimento de quão vastas, criativas e eficientes podem ser as abordagens. Ao se deparar com este conjunto, o jovem professor poderá também constatar a necessidade de ampliar, reciclar ou especializar sua própria formação como educador. E a familiarização de um professor com uma determinada prática poderá servir também como “porta de entrada” para a leitura de uma roda de conversa, artigo, e da bibliografia oferecida, pois a maioria das aulas estabelece algum vínculo, direto ou indireto, com os dez temas elencados.
CODA
Orquestrando a diversidade, este “A Música na Escola” acolhe a polifonia das ideias acreditando no decorrente entrelace silencioso de suas teias, com o intuito de pensar uma educação musical que, reverenciando o passado, construa-se no presente, de modo a prover de autonomia as crianças para o enfrentamento e a invenção do futuro.
Parte do sucesso dessa jornada passa provavelmente por encarar a questão não como um grande problema a ser solvido, mas como um estimulante desafio a ser enfrentado; uma oportunidade inédita para contribuirmos coletivamente de forma qualitativa e significativa para a formação dos brasileiros deste século XXI, dando voz aos educadores e ouvidos aos estudantes.
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